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A assinatura de todas as coisas – Elizabeth Gilbert

Postado às 23:06 do dia 27/06/16

Publicado seis anos após Comer, Rezar e Amar, A Assinatura de Todas as Coisas (2013) é o segundo romance de Elizabeth Gilbert (EUA, 1969). É  monumental: 515 páginas, 123 anos de história e personagens que viveram além dos 80 anos de idade para testemunhar um mundo que tanto expandia as fronteiras físicas, quanto intelectuais.

Entre os anos de 1760 e 1883, Liz Gilbert situa a história de Alma Whittaker, filha de um marujo que fez fortuna com pirataria botânica e comércio de plantas, e que acabou escolhendo os Estados Unidos para viver. É lá, em meio a debates científicos acalorados e uma educação incomum para meninas de sua idade, que o temperamento de Alma foi construído. Ciência e paixão conduziram-na pela vida, tendo se tornado o braço número um da companhia internacional de exportação da família, exímia botânica taxonomista e defensora da razão. No entanto, diferentemente do pai, que viajou o mundo, mesmo a bordo do navio do lendário Capitão Cook, Alma nunca sairia da propriedade da família, até que uma decepção amorosa, na idade em que já teria que ter se curado delas – se as tivesse tido – a faz viajar 22 mil milhas para o Taiti, onde finalmente descobre a lei para o estudo que vinha fazendo há anos sobre musgos, e que viria a ser uma lei que, surpreendentemente, também estava sendo formulada por Darwin, a da evoluação das espécies.

Este romance tinha tudo para ser um fracasso. Inicialmente, tem-se a impressão de estar lendo Verne, pelo entusiamo com a revolução científica e pela fé no cavalheirismo inglês como propulsor da civilização, mas então se tem a impressão de ler Balzac, pelo escrutínio da alma humana e suas motivações. No entanto, falta ao livro, pelo menos até a quarta parte (são 300 páginas até chegar lá!), uma ação tão empolgante quanto às dos romances do primeiro, e por outro lado se avoluma a preocupação com o tema do misticismo, algo incomum ao segundo. Nem Verne se preocupava em criar personagens complexos, nem Balzac dava a mínima para reflexões de como encontrar Deus. Elizabeth tanto teve a preocupação quanto as reflexões, que ocuparam muito tempo no livro, talvez mais do que a paciência de um leitor que nunca segurou um romance do século XVIII poderia ter. Mas a autora sabe escrever – e é inventiva. E fez a lição de casa pesquisando tanto sobre botânica e história natural quanto possível. Isso nos leva diligentemente às últimas 150 páginas, que fazem mais pelo êxito do volume que todas as anteriores, e nos indica que a autora não poderia tê-lo escrito de outra forma: se a protagonista só pôde decidir o que queria da vida a partir de seu quarto vintênio, nada mais adequado que o romance lhe fizesse companhia.

É desconcertante que Elizabeth, depois do estrondoso sucesso de Comer, Rezar e Amar, tenha adensado sua escrita para longe das memórias engraçadas, e do choro auto-indulgente capaz de arregimentar tantos leitores quanto consumidores devotados ao leit motiv das gerações X e Y, o “eu mereço”. Alma Witthaker aceita o sofrimento sem que um mestre yogi lhe diga que isso a tornará iluminada, e aceita a falta do amor de um homem não porque suas antepassadas foram sufragistas ou queimaram sutiãs ou tiveram direito à pílula anticoncepcional: ela aceita porque sabe que é feia, e inteligente demais, e reclusa. Ela aceita os fatos, em vez de lamentá-los. De duas formas, A Assinatura de Todas as Coisas é mais maduro: o é na escritura, e o é na temática. É também um livro feminista, sem a necessidade de dizê-lo. Elizabeth aceitou o risco de concebê-lo, e quase fracassou. Mas venceu. Venceu basicamente porque nós, leitores, assim como ela própria e Alma, queremos muito que o caráter humano, pelo menos uma única vez, saia vitorioso contra os defeitos da vida.

Revisto por Mayra Corrêa e Castro © 2016

 

GILBERT, Elizabeth. A asinatura de todas as coisas. Tradução Débora Landsberg. 1ª. edição – Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

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