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1599, um ano na vida de William Shakespeare – James Shapiro

Postado às 00:16 do dia 08/05/12

Com todos os riscos que esta declaração envolve, assumo: meus heróis literários são Balzac, Machado, Jo Rowling e Shakespeare. Gosto não se discute e nem o que escrevo pretende ser balzaquiano, machadiano, rowlingiano ou shakespeareano. Mas se eu tivesse que escolher livros para levar a uma praia deserta, eu escolheria a Comédia Humana, Memórias Póstumas e A Missa do Galo, os sete Harry Potter, A Tempestade, Sonhos de Uma Noite de Verão, Hamlet, Muito Barulho por Nada e Otelo. Pra mim, não há literatura melhor, embora eu tenha inúmeros outros livros no coração.

Por conta deste meu quadrunvirato, acabo comprando tudo que aparece sobre eles: já assino o PotterMore.com, li umas três biografias de Balzac, alguns livros sobre Shakespeare, e ainda adolescente colecionei a obra de Machado, que era vendida no formato de livros com capa preta em papel couchê de gramatura fina com miolo em papel jornal. Como estes exemplares ficaram guardados no sotão de uma casa onde morei, tive que atualizar alguns títulos do Machado e estou tendo o prazer de relê-los no iPad.

Dos livros recentes que li sobre Shakespeare, o mais interessante foi este de James Shapiro. Adoro estes livros que misturam jornalismo, crítica literária e história, em que pese Harold Bloom – outro cara que curto ler – detestar. Colhi boas risadas com a leitura do 1599 e se nossa época não fosse tão melhor que as anteriores, viver em Londres no período elizabetano até que seria uma escolha.

No mais, segue a minha seleção das melhores partes desta leitura.

 

 

O ano em questão

“Em 1599, os elisabetanos despacharam um exército para esmagar uma rebelião irlandesa, resistiram à ameaça de uma invasão armada da Espanha, apostaram na recém-criada Companhia das Índas Orientais e esperaram para ver quem sucederia à sua rainha, idosa e sem filhos.” (p. 11)

– É assim que James Shapiro abre seu livro e sustenta a escolha pelo ano de 1599 entre tantos outros que foram igualmente profícuos na vida de Shakespeare. Ah, os elisabetanos só deram adeus à sua rainha quatro anos depois.

“Logo que ficou claro que Elizabeth não iria casar-se ou ter filhos, seus conselheiros ficaram bastante preocupados com a possibilidade de a sucessão católica recorrer a posições quase republicanas para assegurar o domínio protestante.” (p. 169)

– Acredito que o público de História seja majoritariamente feminino. Por mais que uma intriga política seja boa – e esta da sucessão de Elizabeth I era! –, o caso todo só renderá um The Tudors se como ator principal puder ser escalado Jonathan Rhys Meyers.

 

 

O “biografado”

“O Shakespeare que emerge nestas páginas é menos um Shakespeare Apaixonado do que um Shakespeare Trabalhando.” (p. 19)

– Hahahahahaha. Quão descarada não é esta frase! É inegável que a gente gostaria que Shakespeare fosse tão lindo e tivesse os cílios tão compridos quanto Joseph Fiennes do filme. Mas ele não foi. E, de fato, Shakespeare foi um operário das letras, além de ter ganhado dinheiro com algumas outras especulações burguesas também.

“Enquanto Shakespeare comprara uma casa em sua Stratford nativa, Spenser [o poeta Edmund Spenser, tão famoso quanto Shakespeare à época] se mudara para um castelo na terra roubada da Irlanda.” (p. 97)

– Parece-me que quando um artista resolve ficar próximo de seu povo, mais carinho é devotado a ele. Quem lhe parece mais querido, Monet, na sua casa em Giverny, ou Gauguin na distante Polinésia Francesa?

“Shakespeare era conhecido no local [em sua cidade natal, Stratford-Upon-Avon] como um investidor. Depois de tomar posse da New Place [uma casa de três andares que ele comprou pela pequena fortuna de 120 libras], ele investira pesadamente em malte, 80 alqueires, que ele armazenara em seus novos celeiros.” (p. 274-275)

– O lado B de Shakespeare era especulador de commodities! Hahaha

 

 

O Globe

“O Chamberlain´s Men estava passando por dificuldades, e a única maneira de sair da encrenca era afundar-se nela.” (p. 24)

– A companhia de teatro a qual pertencia Shakespeare estava sem um teatro para chamar de seu. Então, para construírem-no, decidiram pilhar a madeira de outro teatro, o Theatre, respaldados num contrato de locação vencido. Shapiro crê que Shakespeare estava presente no dia do assalto e se este é um ponto questionável, tanto importa! O divertido é imaginar que ele estivesse lá!

“O Globe ofereceu um recomeço a Shakespeare, a possibilidade de escrever para um novo conjunto de frequentadores de teatro com expectativas ainda não estratificadas, diferentes daqueles que frequentaram os espetáculos no Theatre e no Curtain durante tantos anos.” (p. 36)

– Isso e mais o fato de que Shakespeare se tornaria sócio-proprietário do Globe, auferindo 10% do total dos lucros, num rendimento sobre o negócio estimado em 100 libras por ano. Shakespeare tinha tino comercial; Balzac, nenhum. Machado era elegante na quesito dinheiro e Rownling é trilhardária.

“Dos novos alojamentos de Shakespeare, perto da prisão Clink, na paróquia de St. Saviour, em Southwark, era apenas uma caminhada de poucos minutos até o local da construção do Globe. É provável que, durante o inverno e o começo da primavera, ele tivesse mantido um olhar atento no progresso do trabalho.” (p. 135)

– Não tenho maiores comentários a esta parte. Apenas a acho deliciosa.

“O Globe mostrou-se crucial para a ruptura artística de Shakespeare. Ele foi o primeiro dramaturgo moderno a desenvolver essas conexão intrínseca com um espaço de atuação e uma plateia, ambos específicos. Se o plano de remover a estrutura de madeira do Theatre e transportá-la para o outro lado do rio não tivesse dado certo, a história da literatura inglesa teria sido muito diferente.” (p. 365)

– Há milhares de exemplos de avanços na arte graças ao estado da tecnologia e sempre vale lembrar de James Cameron, que disse que não poderia contar a história de Avatar até que houvesse instrumentos suficientes para fazê-lo.

“O novo começo do Globe também motivou Shakespeare a desafiar atores e plateias. Depois de 1599, ele parou de chamar as plateias de ‘audiência’ e mudou para ‘espectadores’, assinalando talvez que esse era um teatro que ofereceria mais que um espetáculo visual.” (p. 368)

– Ainda por cima, Shakespeare era marketeiro.

 

 

O gênio

“A maneira que Shakespeare encontrou para sair do dilema de escrever peças, tão prazerosas para a corte quanto para o teatro público, foi contraintuitiva. Em vez de nivelar por baixo, ele decidiu escrever peças progressivamente mais complicadas, que dispensavam os prazeres fáceis e faziam com que ambos os conjuntos de plateias trabalhassem mais e mais para compreendê-las, como jamais se fizera anteriormente.” (p. 42)

– Ah, que exemplo! A gente só não sabe quem estava por cima no conceito de Shakespeare: a corte ou o populacho. Gosto de pensar que nivelar por cima seja ignorar a bestialidade dos governantes para apelar à humanidade do povo.

“Não era uma peça pró-guerra nem uma peça antiguerra, mas, antes, uma peça indo-para-a-guerra.” (p. 119)

– Que sacada, né? Este comentário é sobre a peça Henrique V, que representa um marco na carreira de Shakespeare, quando ele reconta uma história exaustivamente representada ao público elisabetano, no momento em que ninguém mais continuava confortável com a guerra contra a Irlanda, ao mesmo tempo em que não se podia criticar a rainha e ainda assimse  sonhava com uma época de vitórias em campo.

“Shakespeare podia contar com seus colegas atores e parceiros investidores para compartilhar as dores de cabeça com os atrasos da construçã do Globe e os processos de Allen, mas a carga de inaugurar o Globe com uma peça brilhante era apenas sua.” (p. 147)

– Duas coisas sobre esta passagem: reformas e obras atrasam, fosse em 1599, seja em 2012; e a obra inaugural foi Júlio César. Conseguiu, né?

“Uma medida do sucesso de Shakespeare ao empregar essa estrutura dramática equilibrada [na peça Júlio César] é que, há quatro séculos, os críticos continuam a debater se ele está a favor ou contra Bruto e seus parceiros conspiradores.” (p. 160)

– Do meu quadrunvirato, dois não entregaram o jogo – Shakespeare e Machado –, e dois entregaram tudo.

“Como os especialistas […] admitiriam com relutância, é surpreendentemente difícil distinguir Shakespeare num dia inconstante de um de seus imitdores em um dia muito inspirado.” (p. 227)

– Fora a discussão se Shakespeare existiu enquanto Shakespeare ou não, existe a questão da verdadeira autoria de alguns dos poemas do livro O Peregrino Apaixonado. Este livro, editado em 1599 por W. Jaggard, reunia alguns sonetos de Shakespeare e outros supostamente dele. O livro foi um tremendo sucesso editorial e teria magoado demais nosso dramaturgo. Parece que ele queria se desvincular da imagem de poeta de versos amorosos no momento em que sua produção teatral se debruçava sobre dramas históricos e sua peça Romeu e Julieta ainda era colocada sob o travesseiro de enamorados no afã de decorar suas partes mais picantes. Pois é, Shapiro mostra que não são apenas as adolescentes que ficam cegas em sua idolatria.

“Uma das lições que Shakespeare aprendeu com Marlowe [autor contemporâneo dele], e da qual fez bom uso em Como gostais, é que a maneira mais eficaz de falar sobre o amor sem parecer clichê é transformar em clichê o que os outros escreveram.” (p. 252)

– A tradução que tenho de Como gostais não empolga. Gostei muito mais das sequências traduzidos no 1599, mas não pude descobrir se se basearam em traduções já existentes no português ou se foram traduzidas pela dupla que se debruçou sobre a edição norte-americana de Shapiro, Cordélia Magalhães e Marcelo Musa Cavallari. No Brasil, podemos ler Shakespeare traduzido para o palco, e Shakespeare traduzido para o livro. Barbara Heliodora, Geraldo Carneiro, Millôr Fernandes, Carlos Alberto Nunes, Carlos Cunha Medeiros e Oscar Mendes são os nomes de tradutores de Shakespeare em nossa língua.

“Como todo grande escritor, ou desde então, Jonson [Ben Jonson, dramaturgo contemporâneo de Shakespeare] compreendia que os melhores poetas são tanto feitos quanto nascidos. Que toda grande escrita tem que ser forjada, e que todos os grandes poetas se elevam ou caem por aquela ‘segunda fúria’, sua elaborada revisão. […] Escrever, mesmo para Shakespeare, era uma experiêcia demolidora. A grandeza de Shakespeare, nos diz Jonson, era resultado não apenas de um talento excepcional, mas também de um quarto de século de esforço implacável e propulsor.” (p. 358)

– Neste capítulo, Shapiro se debruça sobre Hamlet e fala das versões da obra para demonstrar que Shakespeare não era apenas inspirado, mas trabalhado. É aquela coisa do Einstein de 10% inspiração e 90% transpiração.

 

 

Temas e gêneros shakespeareanos

“A comédia tende a ter uma vida útil mais curta que a dos outros gêneros, ainda que seja mais popular – havia, por exemplo, tantas comédias encenadas como histórias e tragédias combinadas em 1599. O que é engraçado e prazeroso para uma geração frequentemente parece sem sentido e forçado para a seguinte. Quando as convenções e as expectativas sociais mudam, a comédia também deve mudar.” (p. 250)

– Serei um ente anacrônico, porque costumo preferir ler comédias a dramas de autores antigos, ou um ente atualíssimo pelo mesmo motivo? Estou aqui me lembrando de The Importance of Being Earnest, absolutamente deliciosa, escrito por Oscar Wilde em 1895…

“Não é que Shakespeare não estivesse interessado em empreendimentos e comércio – O mercador de Veneza; Otelo; Péricles, príncipe de Tiro; A tempestade; todas essas peças testemunham seu fascínio pelo comércio exterior, pela conquista e pela exploração. Mas ele não seguiu o exemplo de outros dramaturgos, cujas peças celebravam as realizações dos comerciantes de Londres. A escolha de Shakespeare para os temas e assuntos sugere que, desde o começo, quando ainda estava com 20 e poucos anos, e talvez desde a infância, ele foi o tipo de escritor que sonhava com e escreveu sobre reais e rainhas, guerra e império, heroísmo e nobreza e países estrangeiros. Ainda que houvesse comerciantes e homens e mulheres comuns em suas peças, nem eles nem a própria Londres jamais estiveram no âmago de sua obra.” (p. 310)

– Já com Balzac, Paris é sua obra.

 

SHAPIRO, James S.. Um ano na vida de William Shakespeare. Tradução de Cordelia Magalhães e Marcelo Musa Cavallari. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

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